#3 | Escapismo: vale tudo pra fingir que a vida é um morango?
Uns pensamentos meio soltos sobre a arte de fugir dos problemas com entretenimento cult-contemplativo, brigadeiro, fruta e muita novela!
Além de ser minha fruta favorita, morango é uma metáfora incrível para a vida 🍓Lindo, macio, bem vermelhinho, com o equilíbrio perfeito entre doce e azedo, o que só me leva a constatar: é uma sacanagem que a vida não seja como ele. Enquanto a maioria dos dias tem mais cara de mamão passado, manga verde ou caqui com o tanino no talo, a gente se vira como pode. Pega limões e tenta pelo menos fazer uma bela pink lemonade quando possível, e essa bebida metida a besta também serve de analogia para o assunto desse texto: escapismo.
Eu, que nem comecei a pensar na declaração do Imposto de Renda, acredito demais na importância de ter alguns momentos de pura fuga da realidade, me imaginar em uma existência completamente diferente, contemplar vidas totalmente opostas à minha, em lugares que jamais pisei e tampouco quero. Ou simplesmente escolher frutinhas superfaturadas para o café da manhã e fingir que a vida é sobre isso assim e que tá tudo bem.
Delulu is the solulu é meme velho, mas ser delusional (aka delirante) faz parte da gente desde criancinha. Caso você não lembre ou não tenha nenhuma criança por perto pra te lembrar, quase toda brincadeira começa com um belo ‘finge que’. Finge que eu sou a mamãe e você a filhinha, finge que eu sou uma senhora chique fazendo compras no mercado, finge que eu sou uma princesa, finge tudo pelo bem do faz de conta! Com o passar dos anos, o fingimento vai ficando mais sofisticado e toda essa coisa lúdica passa a ter sido apenas um treino de tempos remotos, a magia acaba, desenhar o dia todo acaba, riscar paredes acaba, criar coisas acaba, pelo menos para a maioria.
Mas com tempo e alguma disposição, vezenquando eu ainda lido com a realidade tentando colocar nela alguma arte delirante, o que requer esquecer um pouquinho da parte muito real da vida. Aqui não me refiro a nada de nível patológico, como fake news que provocam os famigerados surtos da extrema direita ou subir como um meteoro no teatro corporativo unicamente com fake it till you make it, mas buscar beleza nas partes comezinhas da vida é importante. Haja Amelie Poulain quebrando a casquinha de creme brulée que há duas décadas nos lembra disso!
Às vezes meu surto é fingir que sou Carrie Bradshaw por pura diversão. Com saias rodadas demais e um espaço só meu, onde finjo escrever uma coluna e finjo conseguir fazer isso duas vezes por semana, é tanto escapismo que finjo ter assunto e finjo escrever a respeito pra lembrar das minhas próprias rotas de fuga da realidade - e, agora, finjo te convidar a fazer o mesmo, amiga leitora! Talvez uma lista B, arrolar tudo que dá prazer e se aproxima da vida moranguinho que tanto queremos, sem espaço paras atividades burocráticas que precisam urgentemente de checks. Sei que essa lista é muito particular, mas sinceramente, eu fugiria de true crime ou daquela série que todo mundo viu pra militar sobre masculinidade tóxica e uso irrestrito de celular antes da alma ser formada. Tem quem fuja com Casamento às Cegas, religião ou livrinho de colorir do Bobbie Goods. Por todos passo ilesa, mas não julgo, afinal sou completamente arrebatada pelas 5 irmãs de nomes que começam com K.
Minha escap-lista é imensa, mas no topo dela atualmente está o remake de Vale Tudo. Aconteceu por aí? Toda noite eu durmo no meio de um episódio capítulo, o que é incrível porque toda manhã acordo cantando Brasiiiiil mostra tua cara… e tomo meu café assistindo à segunda metade bem acordada. É claro que o algoritmo do TikTok que tanto me entende já sacou direitinho, por isso intercala conteúdos sobre hérnia de disco (problema atual que a idade me trouxe e do qual eu tento escapar) com relatos dos desafetos de Cauã Reymond, passando por análises pouco confiáveis a respeito da atuação de Bella Campos e, meu favorito, o de/para das cenas de 1988 e 2025. Minha filha de vez em quando assiste umas partes comigo e no auge de seus 5 anos já entendeu que a única personagem que presta mesmo é a Solange, a quem ela teimosa & maravilhosamente chama de ‘A diretora’ (girl boss com look bom e cabelo bonito tem sempre seu apelo!). Talvez não seja idade de ver novela, mas eu também tinha exata meia década na versão original e assistia tudíssimo - e na época nem existia controle remoto para que adultos responsáveis passassem toda parte de pegação como diligentemente o faço.
Agora lembro que ser noveleira é escapismo nacional que me acomete de tempos em tempos, quando a vida aperta um pouquinho. A última vez foi com A Dona do Pedaço, em 2019 Maria da Paz enfrentou comigo todo o puerpério, embalando a amamentação noturna com hit do Raça Negra - pagode não é dos meus escapismos favoritos, mas essa memória afetiva tem seu lugar no meu Spotify. Dito isso, conto também que mês passado terminei os dois volumes d’O Segundo Sexo da Simone de Beauvoir. Cito não só pra manter o hi-lo de referências culturais, mas para afirmar com veemência que, assim como true crime, nenhum conteúdo denso sobre feminismo tem potencial escapista, eles nos jogam a realidade na cara como um soco, isso não é escape - embora seja fundamental como combustível pra nossa raiva, e manter nossa raiva é também fundamental, querida leitora. Haja Deusa e literatura técnica pra nos livrar de querer virar tradwife e embarcar nesse surto de conservadorismo. E essa digressão já me faz querer escapar de novo!
Me aproximo do fim em posse de uma cumbuca de brigadeiro coberto com moranguinhos bem cortados, enquanto insisto em voltar ao ponto inicial: escapem, escapem muito, especialmente quando o capitalismo insistir em nos espremer. Escapem.
E como sempre a coisa mais urgente a ser feita é dar jeito nos itens na to-do list conectada aos boletos, deixo parte da minha lista B escapista para inspirar:
🍓 Vale Tudo, óbvio! Às assinantes Globoplay, recomendo assistir também a primeira semana da versão 88, com Regina Duarte aos berros, deixando escapar o chiste que desembocou na bolsonarista atual.
🍓 Perfect Days, do Wim Wenders, é meu comfy movie atual vejo e revejo toda vez que preciso de calma, com trilha perfeita e história acontecendo lentamente. Quase uma meditação, o que me leva ao próximo tópico…
🍓 Qualquer coisa do Studio Ghibli (tem na Netflix) com aquelas cenas puramente contemplativas também o mesmo efeito, porque muito melhor que ficar fazendo versão tosca de IA é se deixar levar por Totoro, A Princesa Kaguya, Memórias de Marnie, Sussurros do Coração… todo esse je ne sais quoi que não tem na Disney.
🍓 Brigadeiro: porque em vez de fritar com problemas, cozinhar uma lata de Leite Moça com Nescau é sempre mais efetivo. Dica: coloque morango pra ser mais saudável e lembrar que a vida presta pode ser boa como ele!
🍓 A nova série do Seth Rogen na Apple TV: The Studio! É frenética, engraçada e faz um registro bastante acurado de como as duas décadas de exposição aos efeitos canábicos do divo se transformaram em puro caos brilhante (escapismos, né mores).
🍓 Pra não dizer que não falei dos livros… Água Viva, da Clarice. Aqui tô falando do escapismo mais chique que se pode ter, a mente sem rédeas dessa feiticeira gênia, também com forte poder meditativo. Ótimo pro devocional de quem curte ativar as sinapses neurais <3
Termino esse texto lembrando que o prazo para a entrega do IR é 30 de maio (:
XOXO,
Até a próxima!
minha lista se resume a um item: the office em looping eterno :~
o final lembrando que a vida não é moranguinho! today we escape